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NAVEGANDO NA POESIA DE FERNANDO PESSOA

       “Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito?” Livro do Desassossego, Fernando Pessoa.

         Descobri um site sobre Fernando Pessoa (Lisboa 1888/1935) muito bom, maravilhoso, para melhor dizer, é o Portal MultiPessoa, uma iniciativa do Instituto de Estudos sobre o Modernismo, um site completo, rico em detalhes sobre as muitas vidas deste grande poeta. Como ele mesmo diz em seu Navegar é preciso, que “viver não é necessário: o que é necessário é criar”, ele fez disso a sua máxima, criando um estilo próprio e uma característica marcante de sua vida e de suas obras, seus heterônimos. Nos seus 47anos de vida foi muitos e fez muito e o fato de usar a heteronímia para escrever sobre temas complexos e sobre prismas diferentes fez dele um ser contraditório e como bem diz estudiosos de sua obra, enigmático. Não sou grande conhecedora de sua obra, só agora estou navegando (pois é preciso) por esta profusão de poesias e prosas de encher os olhos e a alma que despertaram em mim uma curiosidade maior. Comecei a fazer então a relação dos escritos graças ao MultiPessoa de cada heterônimo com um tema específico e percebi que assim fica bem interessante para se conhecer as idiossincrasias dos muitos Pessoas, ou  apenas do Fernando Pessoa ou talvez, nenhum deles, afinal quem há de saber?

         Como perfeitamente descreveu Saramago, em Heteronímia - As máscaras que se olham, “Cada um de nós é quem é, mas aquele que em nós faz é outro. Fernando Pessoa soube-o melhor que ninguém, e os heterónimos, mais do que «drama em gente», são, cada um deles, a expressão individualizante de um conteúdo plural que se tornou singular no seu fazer-se, um ser que é diferente porque diferente foi o fazer dele (...). Posta a questão nestes termos, seria fascinante ler Ricardo Reis como Ricardo Reis, e não como Fernando Pessoa. E o mesmo com Álvaro de Campos. Ou Alberto Caeiro. Ou Bernardo Soares (...). Há vertigem neste jogo. As máscaras olham-se sabendo-se máscaras. Usam um olhar que não lhes pertence, e esse olhar, que vê, não se vê. Colocamos no rosto uma máscara e somos outro aos olhos de quem nos olhe. Mas de súbito descobrimos, aterrados, que, por trás da máscara que afinal não poderemos ser, não sabemos quem somos. Está portanto por saber quem é Fernando Pessoa”.

          Então transcrevi aqui o Pensar na palavra de Fernando Pessoa e seus principais heterônimos, Ricardo Reis, Alberto Caieiro, Álvaro de Campos e do semi-heterônimo Bernardo Soares. (As poesias e a prosa foram retirados do site MultiPessoa)

          PENSAR (Para Ricardo Reis “Pensar no mundo é complicar inutilmente aquilo que existe sem ser pensado”)

Para quê complicar inutilmente,
Pensando, o que impensado existe? Nascem
Ervas sem razão dada —
Para elas olhos, não razões, tenhamos.
Como através de um rio as contemplemos.

3-9-1932
Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa

         PENSAR ( Para Pessoa “todos os sentimentos são fruto do pensamento”)

Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

18-9-1933
Poesias. Fernando Pessoa.

          PENSAR (Para caieiro “O mundo não se fez para pensarmos nele, mas para olharmos para ele”).

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

8-3-1914
“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa.

         PENSAR (Para Campos “pensar mais é inútil e incomoda”)

Não estou pensando em nada
E essa coisa central, que é coisa nenhuma,
É-me agradável como o ar da noite,
Fresco em contraste com o Verão quente do dia.

Não estou pensando em nada, e que bom!

Pensar em nada
É ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
É viver intimamente
O fluxo e o refluxo da vida...
Não estou pensando em nada.
É como se me tivesse encostado mal.
Uma dor nas costas, ou num lado das costas.
Há um amargo de boca na minha alma:
É que, no fim de contas,
Não estou pensando em nada,
Mas realmente em nada,
Em nada...

6-7-1935
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa.

         PENSAR ( Para soares “Pensar é viver e sentir não é mais que o alimento do pensar”)

Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os outros, e que a maio ria pensa com a sensibilidade e eu sinto com o pensamento.
Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.
É curioso que, sendo escassa a minha capacidade de entusiasmo, ela é naturalmente mais solicitada pelos que se me opõem em temperamento do que pelos que são da minha espécie espiritual. A ninguém admiro, na literatura, mais que aos clássicos, que são a quem menos me assemelho. A ter que escolher, para leitura única, entre Chateaubriand e Vieira, escolheria Vieira sem necessidade de meditar.
Quanto mais diferente de mim alguém é, mais real me parece, porque menos depende da minha subjectividade. E é por isso que o meu estudo atento e constante é essa mesma humanidade vulgar que repugno e de quem disto. Amo-a porque a odeio. Gosto de vê-la porque detesto senti-la. A paisagem, tão admirável como quadro, é em geral incómoda como leito.

13-4-1930
Livro do Desassossego por Bernardo Soares.Vol.I. Fernando Pessoa.

Comentários

  1. Falar em Poesias de Fernando Pessoa, eu digo sempre, no Brasil são poucas pessoas que curtem o poeta Brasileiro mas, em Portugal, especificamente em Lisboa, basicamente todo mundo sabe quem é e o que representa no mundo de hoje. Sempre que vou a Lisboa eu faço um foto com ele na calçado do café A Brasileira, veja:
    [FPESSOA](http://www.panoramio.com/photo/37449343)

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  2. Oi Walter!
    Estou descobrindo mais de Fernando Pessoa depois que vi a exposição no Museu da Lingua Portuguesa em São Paulo, "Fernando Pessoa plural como o universo". Sensacional!

    ResponderExcluir

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